Não Por Acaso - 2007. Dirigido por Philippe Barcinski. Escrito por Fabiana Werneck Barcinski, Philippe Barcinski e Eugenio Puppo. Direção de Fotografia de Pedro Farkas. Música Original de Ed Cortês. Produzido por Andrea Barata Ribeiro, Bel Berlinck e Fernando Meirelles. Buena Onda, Fox Filmes do Brasil, Globo Filmes e O2 Filmes. / Brasil.
Não Por Acaso (2007) não abusa de palavrões, não fala de favelização, de banditismo ou da realidade do sertão nordestino. Ele não é uma cinebiografia de um artista ou de uma banda. Ele também não narra uma história inspirada em fatos reais de militantes de esquerda dos anos 60. E o mais importante, ao assisti-lo não se tem a impressão de estar diante de mais um capítulo de uma novela global. Cada aspecto do filme, incluindo roteiro, atuações, fotografia e trilha sonora beiram a perfeição e é por isso que eu afirmo sem medo de estar exagerando que esta é uma das melhores obras já produzidas pelo nosso cinema. Tive a oportunidade de vê-lo na tela grande em meados de 2007, ele fora um dos últimos filmes exibidos pelo extinto cinema da minha cidade. Naquela noite estávamos apenas eu, um amigo e um outro desconhecido no cinema, este último chegou após o início do filme, antes da exibição o gerente da sala tentou de tudo para nos convencer a voltar no dia seguinte, segundo ele o valor das duas entradas não compensava os gastos com a projeção, teimamos e assistimos ao filme naquele dia mesmo, saímos de lá com a certeza de que tínhamos visto um dos melhores filmes do ano.
Poucos são os filmes nacionais que conseguem sair do circuíto de festivais e chegar às salas de cinema, o fato de que Não Por Acaso chegou, quase sem atrasos, à minha cidade é a prova de que ele conseguiu realizar este feito. Por que então ele parece ter sido esquecido por todos, apesar de sua visível qualidade? O cinema vazio naquele dia citado acima é algo que responde ao menos em parte a esta pergunta, além da problemática em torno da distribuição, o nosso cinema ainda sofre com a falta de público e talvez este último seja o problema mais grave. Quem tem público cativo em terras tupiniquins são as temáticas supra citadas, que agradam tanto a crítica, quanto alguns cinéfilos e alguns intelectuais, no entanto elas já estão mais do que saturadas. Infelizmente quando surge uma obra prima capaz de trazer a libertação que o cinema brasileiro carece, a libertação de tais clichês, ela é renegada e rapidamente cai no ostracismo. A questão da distribuição pode ser resolvida com uma mudança radical das políticas de incentivo à sétima arte no país, mas para o problema referente ao público não existe uma solução que se possa apontar, afinal sensibilidade artística não pode ser ensinada em escolas, nem tão pouco se aprende pela repetição.
Não Por Acaso não traz consigo o nacionalismo ufanista que nos coage a mostrar nossas “belezas naturais”, tão pouco a pseudo-contestação que nos leva a mostrar as mazelas de nossas instituições e autoridades, o que ele traz é uma realidade que poderia estar ambientada em qualquer cidade, de um outro país qualquer, com pessoas normais e situações que apesar de cotidianas trazem consigo uma intensa carga poética e reflexiva. O filme gira basicamente em torno de quatro personagens, Ênio (Leonardo Medeiros), Lúcia (Letícia Sabatella), Pedro (Rodrigo Santoro) e Teresa (Branca Messina), cada um deles construídos minuciosamente sem nenhum maniqueísmo ou caricaturização. Apenas uma característica une Ênio, Lúcia e Pedro, eles são metódicos e avaliam cada uma de suas atitudes e decisões tendo em vista os efeitos que pressupõem que elas provocarão. Ênio é controlador de tráfego, Lùcia é operadora de futuros na Bolsa e Pedro trabalha fazendo mesas de sinuca em uma oficina de marcenaria que herdou do pai, além de ser um exímio jogador do esporte. Teresa, diferente deles, representa a inconstância, conforme mostrado no filme, ela não sabe ao certo o que quer da vida e aparentemente não se preocupa tanto com o futuro quanto os outros.
“Engraçado, a gente se esforça para prever as coisas e uma coisa
acontece agora e a gente não sabe onde vai dar...”
Um acidente muda completamente a forma com que os personagens encaram suas próprias vidas, eles se tornam ainda mais humanos á medida que vão perdendo suas certezas acerca do porvir, o acaso insurge como uma força avassaladora incapaz de ser dominada, trapaceada ou controlada. A perda das convicções, ilustrada de uma forma belíssima no filme, não traz sofrimento mas uma leveza que os personagens não experimentavam há tempos, é justamente quando eles saem do controle que eles começam a viver a vida em sua plenitude. O diretor Philippe Barcinski nos conduz de forma excepcional a um tour pelas vidas dessas pessoas e ao invadirmos suas realidades nós descobrimos quem eles realmente são e a empatia com cada um deles é inevitável e quase imediata.
O elenco todo está muito bem e a naturalidade de suas atuações é um dos pontos mais altos do filme, o destaque fica por conta de Rodrigo Santoro e Leonardo Medeiros, eles estão fantásticos, Letícia Sabatella, belíssima, esbanja sensualidade com seu visual clássico e estilo meigo. A cidade de São Paulo é também quase um personagem, nunca o nosso cinema fotografou tão bem uma metrópole quanto neste filme, as tomadas externas são de uma beleza estonteante, preste atenção nas imagens áreas e na forma com que a câmera contemplativa perscruta o emaranhado de vias que se entrelaçam entre prédios. A trilha sonora do filme também merece destaque à parte, ao contrário da maioria das produções que compõem seus repertórios com hits batidos das rádios ou com sucessos da música pop internacional, Não Por acaso busca é no melhor de nossa música as lindas canções que ajudam a contextualizar e ilustrar a sua trama, o destaque musical fica por conta de Laços interpretada por Nasi e Só Deixo meu Coração na Mão de Quem Pode interpretada por Katia B.
Não Por Acaso é o tipo de filme que cativa, que emociona e que nos ajudar a tecer uma profunda reflexão sobre nossas próprias vidas... Indagamos: Até que ponto a nossa ambição por controle tem nos impedido de viver? Será que é preciso um acidente para nos mostrar que, por mais que tentemos, não temos como prever cada uma das próximas jogadas (tal como em um jogo de sinuca)? Estaríamos de fato sujeitos ao acaso, esta força anti-determinista que muda os rumos de tudo, sem ordem, sem regra e sem controle?... Poucas são as produções capazes de evocar tantos questionamentos com uma trama tão simples e singela... Eu incluiria, sem titubear, este filme em um top 10 dos melhores (dentre os que já assisti) de nossa cinema e o elevaria ao mesmo patamar onde já estão Cidade de Deus (2002), Lavoura Arcaica (2001), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963), Terra em Transe (1967), e outras obras, que, resguardadas as devidas proporções, ajudaram a inovar e reestruturar o cinema na época em que foram lançadas. Não Por Acaso precisa ser visto, precisa ser pensado... Ultra recomendado!
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